Aichaku (愛着)

Aichaku (愛着) é uma palavra japonesa que pode ser traduzida como “apego” — e o filme com este título não poderia escolher conceito mais certeiro. Não se trata apenas de relações humanas, mas de todas as formas de ligação que construímos ao longo da vida: com objetos, lugares, memórias, pessoas que já não estão e até versões de nós mesmos.
O filme conduz-nos de forma delicada e contemplativa por essas ligações invisíveis que carregamos no coração. O apego, aqui, não é julgado como defeito ou virtude, mas mostrado na sua complexidade: pode ser consolo, mas também prisão; pode oferecer raízes, mas também impedir o voo.
Ao longo da narrativa, a câmara parece convidar-nos a olhar para dentro. O silêncio tem tanto peso quanto as palavras, e os pequenos gestos revelam mais do que grandes discursos. É impossível não nos revermos em alguma cena — seja na memória guardada de alguém que partiu, no objeto que resistimos a deitar fora, ou na necessidade de segurar o que inevitavelmente se transforma.
Gostei imenso do filme porque, mais do que contar uma história, ele provoca uma reflexão íntima: O que é que eu não consigo largar? E o que é que me dá força justamente por ainda estar comigo?
Aichaku é uma obra delicada, mas poderosa. Um lembrete de que o apego faz parte da nossa condição humana, e que talvez não se trate de largar tudo, mas de aprender a conviver com aquilo que permanece em nós, mesmo quando o mundo muda.
Enredo:
Lucas, um expatriado americano, vive numa zona rural da prefeitura de Chiba, no Japão. Ele trabalha como professor de inglês numa escola modesta, sonhando em comprar um café abandonado à beira da estrada que passa todos os dias. Mas com o salário apertado e o visto ameaçado, esse sonho parece sempre distante.
Ken, meio japonês meio americano, foi criado pelo tio depois do suicídio do pai e do retorno da mãe para os EUA. Desde os quinze anos trabalha na empresa de construção do tio. Ele guarda um desejo: aprender inglês para, um dia, poder voltar a conectar-se com a mãe.
Durante três dias, os caminhos de Lucas e Ken cruzam-se. A princípio há reservas, incertezas, hesitação. Aos poucos, através de conversas íntimas, confissões e momentos de proximidade emocional, surge uma amizade improvável que, com o tempo, se transforma em algo mais profundo.
Quando Lucas perde o emprego, vê o risco de ter de deixar o Japão. Há uma proposta de casamento de conveniência com Marie (filha da sua senhoria) para que Lucas possa manter o visto. Esse arranjo legal traz complexidades emocionais.
No final, Ken e Lucas confessam o amor que cresceram ao longo desses dias e, juntos, cumprem o sonho de Lucas: comprar o café abandonado. Um ano depois, vemos um recomeço simbólico e esperançoso, na abertura do café, rodeados por amigos e pessoas que lhes são importantes.
O que gostei:
Atmosfera e cenário: o ambiente rural, simples, as paisagens leves — tudo isto cria uma sensação de paz, de contemplação. Dá-nos espaço para respirar, sentir o passo a passo do crescimento emocional.
Desenvolvimento pessoal: os protagonistas não são heróis perfeitos. Têm dúvidas, medos, vulnerabilidades. Ver Ken confrontar o passado e Lucas lutar contra a insegurança do futuro torna tudo mais real.
Tema do “attachment” (apego): o título Aichaku significa apego, e o filme explora isso não só entre pessoas, mas entre sonhos, identidade, pertencer a um lugar, ter raízes.
Representação LGBTQ+: o romance entre dois homens, ambientado num contexto cultural delicado, tem uma suavidade e honestidade que muitas vezes falta em histórias parecidas. É reconfortante ver um filme que trata disso com cuidado.
Algumas reservas
O ritmo varia bastante: há partes iniciais mais lentas, e o desenrolar da relação às vezes parece acelerado demais, especialmente considerando que o vínculo entre os protagonistas cresce num espaço de tempo relativamente curto.
Algumas reviravoltas ou componentes legais (como o casamento de conveniência para manter o visto) podem parecer cliché ou obras de conveniência narrativa, mas isso é algo que, pessoalmente, aceitei como parte do género romântico / BL.
Atuação desigual: alguns personagens secundários brilham mais do que os protagonistas em certas cenas — o Ken, por exemplo, muitas pessoas destacam como entrega emocional mais consistente.
Mensagem:
No fundo, Aichaku deixa-nos com uma mensagem de esperança: que conexões verdadeiras têm poder para nos ajudar a encontrar quem somos, mesmo quando nos sentimos deslocados. Que nossos sonhos, por mais simples ou distantes que pareçam, podem ser cultivados com companhia, coragem e honestidade.
⭐ Classificação: 4/5